Análise sobre a Mudança da Lei
Conforme Proposta pelo Pastor Luciano Subirá – Primeiro Vídeo
Resumo: Pr.
Luciano Subirá defende, em seu primeiro vídeo, que o Antigo Testamento
profetizou sobre um Novo Moisés, na pessoa de Cristo, que seria também um novo
legislador. Esse novo sacerdote mudaria a Lei por meio de seu cumprimento
profético, restabelecendo novos mandamentos em lugar de alguns mandamentos
antigos.
Procura-se demonstrar que a
base para a visão de Cristo como um Legislador de coisas absolutamente novas é
peculiar e inferencial, tendo diversos textos bíblicos indicando sentido
contrário. Busca-se, também, demonstrar que, embora haja um componente da Lei
Mosaica que tenha sofrido cumprimento e cessação, esse fenômeno não pode ser
extrapolado irrestritamente para a Lei em sentido amplo, em especial a Lei
Moral de Deus, como expressa em Êxodo 20.
Introdução
No primeiro de uma série de três
vídeos sobre a Lei de Deus na Bíblia, o Pr. Luciano Subirá apresenta argumentos
que levam à conclusão de que as leis do Antigo Testamento foram cumpridas por
Cristo por meio de seu ministério sacerdotal profético. Nessa visão, Jesus
seria um novo Moisés, um legislador que teria vindo ao mundo para pôr fim a um
sistema de leis dado com “prazo de validade”, enquanto estabeleceria novas leis
a serem observadas pela cristandade.
Neste ensaio, serão apresentados
argumentos bíblicos que confirmam a compreensão de Subirá nos elementos da
cessação da lei cerimonial e no ministério antitípico de Cristo em relação a
Moisés, mas também argumentos que invalidam a aplicação ampla dos textos
empregados em relação à totalidade das Leis do Antigo Testamento. Ainda, serão
discutidos outros pontos de argumentação que não encontram amparo
escriturístico, a exemplo da exaltação de Moisés ao caráter de legislador, os
critérios de atuação do “novo profeta” antitípico, em especial o de este ser um
suposto “novo legislador”, e o reducionismo das diversas alianças divinas com a
humanidade à apenas duas, com a finalidade de estabelecer uma aparente
dicotomia entre “velha aliança” (leis do antigo testamento) e “nova aliança”
(leis do novo testamento).
Este ensaio não pretende ser
exaustivo e pressupõe o conhecimento do teor do vídeo referido, por parte do
leitor.
Análise
e comentário
·
“Quando se muda o sacerdócio, se muda também a
Lei.” Hb 7:12
“O fim da Lei é
Cristo” (Rm 10:4). Apesar de Subirá estar defendendo aparentemente a
permanência da Lei, em antagonismo com uma pessoa que lhe procurou para advogar
que toda e qualquer lei teria sido abolida, ainda assim incorre em um equívoco,
de assumir que o texto está se referindo a uma cessação da Lei. O pastor avalia
o texto “o fim da Lei é Cristo” como sendo “o final da Lei”, ou algo como a
“extinção da Lei”. Na verdade, algumas traduções mais modernas da Bíblia
incorrem no mesmo problema, como a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH),
por exemplo, que versa: “Porque, com
Cristo, a lei chegou ao fim, e assim os que creem é que são aceitos por
Deus”.
No entanto, a
palavra grega original para “fim”, nesse texto, é Telos, que também significa
“objetivo” ou “propósito”. O texto original de Romanos 10:4 é: “telos
gar nomou Christos eis dikaiosynen panti to pisteuonti”. Encontra-se a
expressão grega telos em muitos textos da Bíblia, por vezes com o
significado de final, fim ou cessação, porém também às
vezes com o significado de “destino”, “direção” ou “objetivo”.
Por exemplo: Em Rm 6:21 lê-se: “Porque o fim deles é a morte”, sendo que
a palavra grega original para fim é telos. Claramente se percebe
que o sentido de telos significa, nesse contexto, “o destino deles é a
morte”. Portanto, a única leitura de Rm 10:4 que mantém a coerência interna da
Escritura é a de que a “finalidade da Lei é Cristo”. Essa compreensão do
uso de telos é apoiada pela semântica da língua grega e pela filosofia,
conforme define a Enciclopédia dos Significados:
“Teleologia, da palavra grega télos, que significa propósito ou
fim, é o estudo dos objetivos, fins, propósitos e destinos.” – Pedro Menezes,
Enciclopédia dos Significados
·
Subirá defende que com o novo sacerdócio,
conforme exercido por Cristo, haveria também uma nova Lei (Hb 7:12), não
fazendo distinção sobre que tipo de lei seria essa. No minuto 9:13 o próprio Subirá
propõe a resposta, talvez sem perceber, para a questão de qual Lei foi
cessada com o início do sacerdócio de Cristo: a lei que regia o sacerdócio, ou
seja, a lei cerimonial.
·
Subirá emprega, como argumento para uma nova lei
promulgada por Cristo, a declaração “Um novo mandamento vos dou”. Porém, o
mandamento que Cristo deu não era novo, já havia sido dado no antigo
testamento. Este mandamento está prescrito em Levítico 19:18.
“Caráter temporário da Lei”;
“A Lei de Moisés tinha prazo de validade”.
Hb 9:10 está dando a evidência
sobre uma outra categoria de leis que foram “mudadas”: uma categoria que fala
de comidas, bebidas e diversas abluções. Neste ponto, o autor de Hebreus está
falando de leis judaicas, que se basearam na lei Mosaica, mas que foram
“enriquecidas” ao longo dos séculos pelos judeus e se transformaram em
“mandamentos de homens” (Mc 7:7), que não tinham mais a ver com as leis
originais dadas por Deus.
No Minuto 12:15, Subirá fala
sobre a mudança que Cristo operou no ensino sobre a Lei. Porém, a mudança no
ensino de Jesus não era uma mudança no sentido mais estrito da palavra. Era uma
ampliação, e uma explicação. Quando Jesus disse: “Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar
para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (Mt
5:28), Jesus não estava mudando a Lei, mas ampliando-a, explicando-a. O
adultério continua constando na nova Lei que Jesus endereça, pois o adultério
ocorre no próprio ato da cobiça, segundo as palavras de Cristo. Jesus, no
sermão do monte estava, na verdade, criticando a abordagem legalista dos
fariseus e do próprio povo que criava subterfúgios para o cumprimento de ritos
vazios como indulgência para o pecado, como ocorre com o caso da negligência aos
pais idosos (Mc 7). O objetivo de Cristo era o de causar impacto na Sua
audiência ao revelar que a Lei divina não consistia na obediência a ritos
exteriores, mas em uma mudança profunda na natureza humana, uma mudança no
coração. De acordo com Cristo, o pecado do adultério não se consumava na
união carnal, mas na própria cobiça que ocorria na mente do pecador. Assim, os
novos mandamentos de Cristo não dizem respeito a uma mudança na Lei, mas uma
mudança na compreensão do significado da lei.
No minuto 14:16 Subirá fala sobre três sinais, que
alegadamente a Bíblia descreveria em Moisés e que, necessariamente, deveriam
ser aplicados a Cristo: “Moisés tinha uma linha de comunicação diferenciada,
fazia sinais e prodígios, e tinha o papel de ser um legislador”.
Essa linha de raciocínio é uma inferência de Luciano
Subirá. É algo que ele próprio deduz da história Bíblica, mas que não está escrita,
direta ou indiretamente, no texto sagrado. Da forma como esse pensamento é
posto pelo pregador, induz a compreensão de que Jesus deveria cumprir de
maneira muito destacada esses três requisitos, em especial o útlimo (novo
legislador). Mas nenhum texto bíblico estabelece esse racional.
Em parte, Subirá se mostra correto ao apresentar
Moisés como a principal figura do Velho Testamento, depois de apenas O Próprio
Deus, algo defendido por teólogos (Enciclopédia Britânica, 2023). Também, conforme
o texto bíblico, Jesus foi predito como um profeta semelhante a Moisés.
Porém, existem algumas imprecisões nos três
critérios citados, que podem ser contrargumentadas:
·
Moisés com uma linha de comunicação diferenciada
exclusiva em sentido amplo: Outros homens do antigo testamento também
tiveram linhas de comunicação diferenciadas, ou seja, viram Deus ou os anjos
face a face, não sendo contatados por meio de sonhos e visões. Exemplo: Abraão,
Ló, Josué, Gideão, Manoá e sua esposa (pais de Sansão).
·
Moisés como o maior
produtor de sinais e prodígios: Outros profetas no antigo testamento fizeram
sinais e maravilhas maiores do que as de Moisés. Elias “fez” descer fogo do céu
à vista do povo todo. Eliseu ressuscitou mortos, até mesmo depois da sua morte,
quando lançaram um cadáver na cova em que ele estava e, ao tocar nos ossos de
Eliseu, o morto reviveu. O texto bíblico não informa que Moisés tenha
ressucscitado alguma pessoa.
·
Moisés como legislador: Moisés não foi o
legislador. A Bíblia é clara em dizer que Deus foi O Legislador, e Moisés
apenas escreveu o que Deus lhe ordenou. O próprio Jesus disse: “de mim escreveu
Moisés”. Subirá exalta Moisés a uma posição completamente indevida, mas Moisés
jamais foi o legislador! Dt 6:6-9 “estas palavras que, hoje, te ordeno estarão
no teu coração [...]” (Deus falando a Moisés). Êx 31:18 afirma que Deus
escreveu os 10 mandamentos com Seu próprio dedo.
Minuto 18:20 – “Se levantará outro legislador, que
vai trazer uma nova Lei”. Esse texto não encontra amparo na Bíblia em ponto
algum. É uma inferência que Subirá faz a partir de uma interpretação dos três
pontos que ele enumerou, conforme acima. O que o texto de Hebreus 7:12 afirma é
que a lei cerimonial, que regulava os ofícios do santuário, seria mudada,
justamente pelo ministério sacerdotal de Cristo. O emprego deste texto para
justificar novas leis alegadamente dadas por Cristo é uma extrapolação do contexto
do versículo.
Minuto 19:45 – A lei e os profetas profetizaram
até João. A melhor tradução correta do texto é essa apresentada por Subirá.
Alguns evangélicos traduzem “a lei e os profetas duraram até João”, que não é
uma tradução correta e fiel ao texto. Merece destaque porque infere que a lei e
os profetas não cessaram com João. No entanto, se essa argumentação não fosse
combatida por Subirá, invalidaria o seu próprio argumento, pois, segundo a sua
visão, a Lei e os profetas duraram até o sacrifício de Cristo. A interpretação
de a Lei e os profetas vigorando até João, embora errônea, também invalidaria a
tese que ele propõe.
Minuto 22: “Não vim para revogar, vim para
cumprir”. A compreensão anterior de Subirá, que ele relata sobre seu passado, estava
correta. Jesus veio cumprir a lei, no sentido de obedecer, e não cumprir no
sentido de cumprir no lugar do homem para fazer cessar, como é apresentado pela
doutrina evangélica em geral. A tensão que existia no relato de Subirá era que
as pessoas não conseguiam conciliar a ideia pré-concebida de que a lei foi
mudada. Então, o pregador encontrou uma explicação que pudesse unir as ideias
de Jesus cumprindo a Lei e essa Lei sendo mudada. Mas não cogitou a possibilidade
de que a Lei (Moral) não tenha mudado.
Minuto 23:40: Subirá afirma que “passamos da Lei
para a Graça”. Na Bíblia não há essa passagem. De acordo com a Bíblia, o homem
nunca foi salvo pela Lei, mas sempre foi salvo pela graça (ver Rm 4:3; Gn
15:6).
Finalmente, Subirá dá a entender, em alguns pontos
do seu vídeo, que apenas o Novo Testamento (NT) lança luz sobre o Antigo
Testamento (AT), cabendo ao NT selecionar textos do AT para vigorarem ou não
para a cristandade. Na realidade, Jesus citou com autoridade o AT para os
judeus (ex.: Lc 10:26-29) e o próprio Satanás (Mt 4:1-10), e os apóstolos
usaram as Escrituras (AT) como autoridade também para os gentios (At 10:43).
Jesus disse: “de mim escreveu Moisés” (Jo 5:46).
Em Tm 3:15-17 Paulo afirma que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino [...]“, sendo que, naquele momento, a única Escritura que os
cristãos possuíam era o AT.
Assim, tanto o AT quanto o NT lançam luz um sobre
o outro, não sendo apropriado manter a visão de que o NT seleciona instruções
do AT para vigorarem na era cristã e descarta todas as demais.
Discussão e contrargumentações sobre o primeiro
vídeo
·
Subirá considera a Lei de Moisés um todo único,
mas a “Lei de Moisés” agrupava, no mínimo:
o A Lei Moral de Deus, os
Dez Mandamentos (Êx 20), escritos pelo prórpio dedo de Deus (Êx 31:18).
o Leis de saúde (ex.:
Levítico Cap. 11)
o Leis cerimoniais, para
o serviço do sacerdócio e oferta de sacrifícios (Ex.: Lv 5:9).
o Leis civis, destinadas
à nação de Israel (Ex.: Lv 6:5).
·
Suibirá defende que Jesus mudou (ou cumpriu
cessativamente) a Lei:
o Jesus cumpriu a lei
profética cerimonial que apontava para Si como O Sacrifício final, de
fato. Mas Subirá não faz a separação entre os vários tipos de leis de Moisés. A
Bíblia apresenta fortes evidências de que a Lei Moral não tenha sido mudada,
bem como de que esta é eterna e não possa ser mudada.
o O fato de Jesus cumprir
a Lei não significa que esta deixou de existir ou vigorar para o homem. Caso
contrário, o homem não precisaria cumprir lei alguma.
o Deus não muda (Ml 3:6).
“Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos.”
o Os céus e a terra
passariam antes que a Lei pudesse ser mudada (Mt 5:17).
·
Sl 119:89: “Para sempre, Senhor, está firmada a
tua Palavra nos céus”.
·
A Palavra do Senhor permanece para sempre (1Pe
1:25) – é uma citação direta de Pedro a Isaías 40:8, que fala que a Palavra de
Deus permanece eternamente. Eternamente se refere ao futuro e ao passado. O
eterno é composto do menos infinito ao mais inifito. Ou seja, não pode haver
mudança na Palavra de Deus em tempo algum. “Deus não é homem, para que minta”
(Nm 23:19).
·
Ap 14:6 “Observei outro anjo, que voava pelo meio
do céu e portava nas mãos o Evangelho eterno para anunciar aos que habitam na
terra, a toda nação, tribo, língua e povo”. O Evangelho é eterno, também do
menos infinito ao mais infinito.
·
O próprio livro de Hebreus, que Subirá expõe como
a base de sua explicação sobre o novo sacerdócio, afirma que Jesus é o mesmo
ontem, hoje e para sempre (Hb 13:8).
·
Em termos de aliança, note-se o que Deus disse
sobre mudar a Sua aliança: “Não quebrarei a minha aliança, não
alterarei o que saiu dos meus lábios.” (Sl 89:34, escrito aproximadamente 1000
anos antes de Cristo).
·
Subirá apresenta a “nova aliança” de Deus como
sendo apenas uma nova aliança, em substituição a uma aliança
antiga. Na verdade, Deus celebrou várias alianças ao longo do tempo com o Seu
povo. Em nenhuma delas, Deus mudou Sua Lei.
o
A Aliança Edênica (Gn
1.28-30; 2.15-17)
o
A Aliança Adâmica (Gn
3.14-19)
o
A Aliança Noaica (Gn
8.20-9.17)
o
A Aliança Abraâmica (Gn
12.1-3; etc.)
o
A Aliança Mosaica (Êx 20-23;
Dt)
o
A Aliança Davídica (2Sm
7.4-17)
o
A Aliança da Terra de Israel
(Dt 30.1-10)
o
A Nova
Aliança (Jr 31.31-37)
Conclusão
Subirá apresenta, em
seu primeiro vídeo, pontos válidos e úteis na compreensão de Moisés como
protótipo de Cristo e aponta corretamente a cessação da lei cerimonial em Hb
7:12, em decorrência da mudança de sacerdócio. No entanto, incorre em um
problema de extrapolação ao defender que o cumprimento da lei cerimonial se
extende a toda e qualquer lei mosaica. Ainda, provê uma visão inapropriadamente
exaltada de Moisés como legislador, com um framework frágil do que
compreenderia essa função, a qual deveria ser, supostamente, substituída por
Cristo para promulgar uma nova lei em sentido amplo. Finalmente, Subirá reduz,
inaproriadamente, as várias alianças que Deus fez com o homem ao longo do tempo,
e que não mudaram as leis divinas, a apenas duas. Seu objetivo foi propor a
caducidade do AT e o estabelecimento de supostas novas leis no NT, mas passando
por alto o fato de que os novos mandamentos de Cristo são, na verdade,
mandamentos já ordenados no AT.
As limitações deste ensaio dizem respeito à
profundidade que cada tema exposto enseja, que não pôde ser explorada por
completo, se é que isto seja possível. Também, o escopo do presente ensaio diz
respeito ao primeiro vídeo do Pr. Subirá, sem tomar em consideração os demais
vídeos da série.