sábado, 6 de julho de 2024

Ellen White e a Progressista/Feminista União de Temperança da Mulher Cristã

"A União de Temperança das Mulheres Cristãs é uma organização com cujos esforços para disseminação dos princípios de temperança, podemos unir-nos de boa vontade. Foi-me mostrado que não nos devemos manter afastados delas, mas, conquanto não deva haver sacrifício de princípios de nossa parte, devemos o quanto possível unir-nos com elas no trabalho pró-reforma de temperança. [...] Devemos colaborar com elas quando pudermos, e podemos certamente fazê-lo na questão de fechar inteiramente os bares". — Ellen G. White, Conselhos Sobre Saúde, 436, 437

Esse é um dos vários textos em que Ellen G. White, cofundadora  e uma dos líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD), endossa e incentiva a cooperação de esforços da IASD com a União de Temperança da Mulher Cristã (Woman's Christian Temperance Union - WCTU) no que diz respeito ao tema específico da promoção da saúde pública por meio da proibição de álcool e drogas.

De acordo registros históricos, Ellen G. White, enquanto esteve desenvolvendo seu ministério na Austrália (1891-1900), manteve correspondência com S. M. I. Henry, uma das líderes da WCTU. É dito que elas foram grandes amigas, embora nunca tenham se encontrado pessoalmente. Alguns trechos das cartas que a Sra. White enviou à Sra. Henry estão disponíveis na forma de publicações, inclusive em língua portuguesa (ver, por exemplo, a obra "Filhas de Deus"). A Sra. Henry aceitou a mensagem Adventista durante um período em que esteve internada na clínica adventista em Battle Creek e foi batizada na IASD.

De interesse para  os cristãos adventistas da atualidade, além de uma revelação Divina ("O Senhor me mostrou...") ao apoio em causas sociais e civis honestas e desinteressadas, convergentes com a missão da Igreja, resta dizer que a WCTU não recebeu, da irmã White, a atenção que muitos hoje parecem dedicar em condenar indistintamente o feminismo, progressismo, marxismo etc. Isso fica claramente evidenciado ao se analisar o que era e o que defendia esse movimento.

A Proscrição do Envolvimento Político dos Membros e Líderes da IASD

A WCTU era um movimento visto como progressista, que defendia também o voto das mulheres e considerava o sexo feminino “moralmente superior”. Logicamente White não apoiava a WCTU incondicionalmente. E ela própria não se contradiria apoiando o aspecto político de um movimento como esse, uma vez que proscreveu, enfaticamente, o envolvimento da Igreja Adventista (e em especial, seus líderes) com pautas políticas:

“Os que ensinam a Bíblia em nossas igrejas e escolas, não se acham na liberdade de se unir aos que manifestam seus preconceitos a favor ou contra homens e medidas políticos, pois assim fazendo, incitam o espírito dos outros, levando cada um a defender suas ideias favoritas. Existem, entre os que professam crer na verdade presente, alguns que serão assim incitados a exprimir seus sentimentos e suas preferências políticas, de maneira que se introduzirá na igreja a divisão. 

"O Senhor quer que Seu povo enterre as questões políticas.”

Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 391.

A WCTU como Movimento Apartidário

O primeiro ponto a se destacar é que a WCTU foi, inicialmente, presidida por Annie Wittenmyer, uma líder cristã não adventista, que tentava se manter ao máximo afastada de questões políticas (Epstein, 1981). Essa posição se alinhava à postura que a Igreja Adventista foi orientada a adotar, de acordo com princípios bíblicos de separação entre Igreja e Estado ("dai a César o que é de César e dai a Deus o que é de Deus" - Mt 22:21), e das revelações que a própria Ellen White recebera (ver citação acima, dentre outras).

No aspecto laicista, e notório que não haja uma única menção política, seja em referência a um indivíduo ou a um partido ou a uma medida em tudo que White escreveu sobre o apoio à WCTU, seja em orientações à igreja ou nas suas correspondências privadas. White via que a WCTU estava militando em uma obra que Deus aprovava, e desejava que Seu povo nela cooperasse. Ainda assim, via a WCTU como um movimento de pessoas que não tinham toda a verdade, e que precisavam ser alcançadas pelo testemunho e mensagem Adventistas, não sendo admitida uma união ampla e incondicional.

A WCTU como Movimento Progressista e Feminista

O segundo ponto de destaque é que a WCTU foi presidida a partir de  1879 por Frances Willard, uma mulher considerada uma "notória feminista", até o ano de seu falecimento - 1898. Willard liderou a WCTU até que se tornasse a segunda maior organização feminina do mundo (Epstein, 1981). Ao longo dos 19 anos de liderança de Willard, não houve sequer uma manifestação de White contra a WCTU, apesar de essa organização defender pautas que hoje seriam condenadas com veemência por muitos líderes e leigos de viés ultra conservador.

Social Welfare History Project Willard, Frances Elizabeth Caroline (1839-1898)

Frances Elizabeth Caroline Willard (foto: domínio público)

Sabe-se que pelo ano de 1908, White ainda mantinha a mesma postura em relação à WCTU no que tange à parceria na missão de promover a abstinência do álcool e drogas entre a sociedade americana e a saúde como um estilo de vida. Relembre-se, em relação a um movimento que, já à época, era considerado progressista e feminista, e isso sob orientação Divina (novamente, "O Senhor me mostrou...").

Em tempo, isso não significa, absolutamente, que White ou a IASD tenham sido simpatizantes ou mesmo coniventes com pautas políticas ou ideológicas de qualquer natureza. Simplesmente propõe-se que esses assuntos não possuíam, para White e a IASD da época, o relevo que o segmento evangélico estadunidense tem dado nas últimas décadas.

Certamente, alguns hão de apontar que a WCTU destoava em grande medida das práticas e filosofias do feminismo ou progressismo moderno, o que é razoável. Porém, isso em si só é um reforço de um argumento deste artigo, o de que os conteúdos que são considerados de viés à esquerda são complexos e heterogêneos, e de que muitos indivíduos ligados a essas visões estão trabalhando por causas legítimas e com intenções/caráter em nada inferiores a seus pares de viés à direita.

Conclusão

Em síntese, em todas as suas décadas de ministério, a boca e a pena de Ellen G. White jamais expeliram uma palavra sequer que delineasse cunho político, partidário ou ideológico. Apesar disso, White também parece não ter compartilhado da bandeira alarmista antiesquerdismo que tem sido desfraldada em um determinado segmento cristão. Destaca-se, segmento esse que é eclético, sendo constituído por protestantes, católicos e, infelizmente, alguns membros da IASD.

Toda essa movimentação cristã em torno de um inimigo comum - a "esquerda" política/moral - pode estar servindo de cortina de fumaça para ofuscar os verdadeiros problemas que a mensagem Adventista deve abordar enquanto empunhando as trombetas das mensagens angélicas de Apocalipse 14. Ao mesmo tempo que pode estar se tornando um ponto de convergência entre teologias completamente opostas, o que pode vir a desempenhar um papel escatológico em um horizonte não tão distante.

Resta o apelo: "Não chameis conjuração, a tudo quanto este povo chama conjuração; e não temais o que ele teme, nem tampouco vos assombreis." (Is 8:12).

"Sai dela povo meu" (Ap 18:4).